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domingo, 18 de novembro de 2007

Kung Fusão


Os filmes de kung-fu que chegaram aqui para o Brasil nos últimos tempos são todos muito sérios. Nada contra, já que um grandioso épico de artes marciais com drama e pompa nunca fez mal a ninguém. Uma boa comédia de kung-fu, no entanto, já é outra história. Imagino que elas existam aos montes na China, mas por aqui ficamos meio restritos ao Jackie Chan. E acredito que ninguém vai ficar irritado se eu disser que ele não é mais tão engraçado assim. Não há motivo para preocupação: Stephen Chow agora ocupa o trono de maior comediante de artes marciais da atualidade. Não conheço bem os concorrentes, mas duvido que algo como Kung-fusão (Gong Fu, 2004) apareça em breve nos cinemas.

Kung Fu Futebol Clube (Shaolin Soccer, 2001), seu filme anterior, já era bom demais. Na esteira dos “efeitos Matrix”, Chow partiu de uma premissa insólita – mestres de kung-fu jogando bola – para criar uma comédia inusitada e diferente. O sucesso internacional garantiu que seu próximo filme, Kung-fusão, chegasse ao ocidente nos cinemas, e não em cópias escamoteadas de DVD. Para completar, Chow preparou um filme que é infinitamente melhor do que Shaolin Soccer, tanto em escala como em realização. Kung-fusão combina artes marciais e o universo Looney Tunes, em uma comédia bem distante de tudo que anda sendo feito por aí.

O filme conta a história de um pequeno bairro chinês na década de 1940 que, por ser muito pobre, ainda não chamou a atenção da temida Gangue do machado, responsável por toda a atividade criminosa do local. Ao mesmo tempo em que os bandidos começam a se interessar bairro, um Zé Ninguém chamado Sing (Stephen Chow) tenta a todo custo integrar os quadros da gangue, enquanto aplica pequenos golpes para sobreviver. Quando a turma do machado tenta invadir o vilarejo pela primeira vez, no entanto, três pacatos habitantes revelam-se mestres de kung-fu e partem para defender sua gente. Um deles, vale dizer, luta usando como arma as argolas que prendem a cortina. A partir daí, fica difícil falar da trama sem estragar o grande mérito do filme, o inesperado.

Já nesse começo, os efeitos-especiais são espetaculares e imprevisíveis. Ao mesmo tempo em que bebe da estética de Herói e Clã das adagas voadoras, Kung-fusão se aproveita do ritmo visual de um desenho do Pernalonga para reforçar seu humor. A mistura rende cenas memoráveis, como na hora em que Sing é mordido por uma cobra e fica com os lábios gigantes e amolecidos. Chow, que não é bobo nem nada, ainda injeta uma elaborada carga de melodrama que, por quebrar constantemente com as expectativas do espectador, confere à fita um clima diferente e uma linguagem toda própria.

Por mais especiais que sejam os efeitos, no entanto, o grande barato de Kung-fusão são os personagens. Chow, que está ótimo, aparece muito menos que em Shaolin Soccer, dando espaço a uma série de tipos que vão do parceiro (incrivelmente) abobalhado ao maior assassino de todos os tempos, praticante do perigoso kung-fu do sapo. Já a proprietária do vilarejo onde se passa a história fica eleita desde já como a personagem mais engraçada do cinema nos últimos tempos. Sempre portando um cigarro no canto da boca, ela esmurra o marido, bota ordem no coreto e ainda parte em uma corrida no melhor estilo Papa-léguas.

A verdade é que, no ocidente, os gêneros cinematográficos estão um pouco estagnados. Salvo raras exceções, sempre sabemos o que esperar de uma comédia, de um suspense ou de um filme de ação. O cinema oriental, por outro lado, parece viver uma fase de constante reinvenção. Se nos Estados Unidos da década de 70, diretores como Martin Scorsese e Robert Altman jogaram tudo o que sabíamos de cinema para o alto, o movimento parece ter tomado o rumo inverso. Oldboy já chacoalhou o suspense e Herói mexeu com a ação, e agora coube a Kung-fusão a tarefa de atacar a comédia.




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